quarta-feira, 29 de outubro de 2025

Chacina na Penha expõe a face mais brutal da segurnça pública do RJ

 

Corpos foram levados por moradores até a Praça São Lucas, na Penha, após confrontos entre policiais e traficantes - Foto: reprodução

“Em 36 anos de favela, passando por várias operações e chacinas, eu nunca vi nada parecido com o que estou vendo hoje. É algo novo. Brutal e violento num nível desconhecido.”
Raull Santiago, ativista social

A madrugada da dor

O Rio de Janeiro amanheceu nesta quarta-feira (29) com uma das cenas mais chocantes de sua história recente.
Moradores do Complexo da Penha, na Zona Norte, levaram 44 corpos até a Praça São Lucas, na Estrada José Rucas, após a megaoperação policial realizada na terça-feira (28) — já considerada a mais letal da história do estado.

O governo do Rio divulgou que 60 “criminosos” foram mortos, além de quatro policiais.
Contudo, a origem e o número real de mortos permanecem sem confirmação.
A dúvida agora é: os 44 corpos levados pelos moradores estão entre os 60 divulgados oficialmente — ou são novas vítimas?

Os corpos da Vacaria

Segundo relatos, os corpos foram retirados da área de mata da Vacaria, na Serra da Misericórdia, onde ocorreram os confrontos mais intensos.
Moradores afirmam que ainda há vítimas no alto do morro, e que o transporte dos corpos até a praça teve como objetivo facilitar o reconhecimento por familiares.

O secretário da PM, coronel Marcelo de Menezes Nogueira, confirmou que soube da situação e que “o caso está sendo investigado”.
Já a Polícia Civil informou que o reconhecimento das vítimas será feito no IML do Rio, em estrutura montada ao lado do Detran, com acesso restrito ao Ministério Público e à própria polícia.

Entre a segurança e a barbárie

O episódio escancara o fracasso de uma política de segurança pública baseada no confronto e na morte.
O discurso oficial do “combate ao crime” tem se tornado, na prática, licença para matar nas favelas, onde os principais alvos seguem sendo corpos negros, jovens e pobres.

Enquanto o governo estadual comemora “resultados expressivos”, moradores relatam execuções sumárias, desaparecidos e corpos mutilados — indícios que podem configurar graves violações de direitos humanos.

E enquanto isso, o governador Cláudio Castro mantém silêncio.
Nenhuma autoridade estadual ou federal compareceu ao local da tragédia.

Repercussão política e indignação social

O massacre deve provocar reação política em Brasília.
O caso ocorre no momento em que o Ministério da Justiça tenta estabelecer diretrizes para conter a letalidade policial e, ao mesmo tempo, recuperar o controle federal sobre a política de segurança nos estados.

No Supremo Tribunal Federal (STF), o tema reacende o debate sobre o descumprimento da decisão que limitou operações em comunidades.

Nas redes, a revolta é geral.
Deputados e senadores da oposição classificaram o caso como “genocídio de Estado”, enquanto aliados do governo fluminense defendem a operação como “necessária”.

Mas a pergunta que ecoa das vielas da Penha até os gabinetes do poder é uma só:
Quantas vidas mais o Estado vai ceifar em nome da segurança pública?

Um país anestesiado pela violência

A imagem de dezenas de corpos levados por moradores até uma praça pública sintetiza um país que se acostumou à barbárie.
No Rio de Janeiro — e em tantas outras cidades — a morte virou estatística e rotina, enquanto o poder público escolhe o silêncio.

Entre as promessas de “paz” e o cheiro de pólvora, a favela continua sendo o campo de guerra onde o Estado atira primeiro e explica depois.

Até quando o Brasil vai confundir segurança pública com permissão para matar?