Novos diálogos revelam que Moro orientava ilegalmente ações da Lava Jato
Símbolo da Lava-Jato, que representa
um marco na história da luta anticorrupção no país, o ex-juiz vem sofrendo
sérios arranhões na imagem desde que os diálogos entre ele e membros da
força-tarefa vieram a público revelando bastidores da operação. As conversas
ocorridas no ambiente de um sistema de comunicação privada (o Telegram) e
divulgadas pelo site The Intercept Brasil mostraram que, no papel de
magistrado, Moro deixou de lado a imparcialidade e atuou ao lado da acusação.
As revelações enfraqueceram a imagem de correção absoluta do atual ministro de
Jair Bolsonaro e podem até anular sentenças.
Só uma pequena parte do material havia
sido divulgada até agora — e ela foi suficiente para causar uma enorme
polêmica. Em parceria com o site, VEJA realizou o mais completo mergulho já
feito nesse conteúdo. Foram analisadas pela reportagem 649 551
mensagens. Palavra por palavra, as comunicações examinadas pela equipe são verdadeiras e a apuração mostra que o caso é ainda mais grave. Moro cometeu, sim,
irregularidades. Fora dos autos (e dentro do Telegram), o atual ministro pediu à acusação que incluísse provas nos
processos que chegariam depois às suas mãos, mandou acelerar ou retardar
operações e fez pressão para que determinadas delações não andassem. Além
disso, revelam os diálogos, comportou-se como chefe do Ministério Público Federal,
posição incompatível com a neutralidade exigida de um magistrado. Na
privacidade dos chats, Moro revisou peças dos procuradores e até dava bronca
neles.
“O juiz deve aplicar a lei porque na terra quem manda é a lei. A justiça
só existe no céu”, diz Eros Grau, ex-ministro do Supremo Tribunal Federal,
falando em tese sobre o papel de um magistrado. “Quando o juiz perde a
imparcialidade, deixa de ser juiz.”
Não seria um escândalo se um
magistrado atuasse nas sombras alertando um advogado de que uma prova
importante para a defesa de seu cliente havia ficado de fora dos autos? Pois
isso aconteceu na Lava-Jato, só que em favor da acusação. Uma conversa de 28 de
abril de 2016 mostra que Moro orientou os procuradores a tornar mais robusta
uma peça. No diálogo, Deltan Dallagnol, chefe da força-tarefa em Curitiba,
avisa à procuradora Laura Tessler que Moro o havia alertado sobre a falta de
uma informação na denúncia de um réu — Zwi Skornicki, representante da Keppel
Fels, estaleiro que tinha contratos com a Petrobras para a construção de
plataformas de petróleo, e um dos principais operadores de propina no esquema
de corrupção da Petrobras.
Skornicki tornou-se delator na Lava-Jato e
confessou que pagou propinas a vários funcionários da estatal, entre eles Eduardo
Musa, mencionado por Dallagnol na conversa. “Laura no caso do Zwi, Moro disse
que tem um depósito em favor do Musa e se for por lapso que não foi incluído
ele disse que vai receber amanhã e da tempo. Só é bom avisar ele”, diz. (VEJA
manteve os diálogos originais com eventuais erros de digitação e ortografia.)
“Ih, vou ver”, responde a procuradora. No dia seguinte, o MPF incluiu um
comprovante de depósito de 80 000 dólares feito por Skornicki a Musa.
Moro
aceita a denúncia minutos
depois do aditamento e, na sua decisão, menciona o documento que havia pedido.
Ou seja: ele claramente ajudou um dos lados do processo a fortalecer sua
posição.